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sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Cerca de 60 indígenas Pataxó, da Bahia, Puruborá, Kassupá e Tupari, de Rondônia, e Xokleng, de Santa Catarina, realizaram um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta (3). 
O ato marcou o lançamento da campanha “Nossa história não começa em 1988”, com a qual o movimento indígena e entidades de apoio da sociedade civil pretendem sensibilizar os ministros e a população em favor dos direitos originários dos povos indígenas e contra a possibilidade de consolidação da tese do chamado “marco temporal”.

(Por Tiago Miotto, da assessoria de comunicação Cimi l Imagens: Guilherme Cavalli / Cimi)

Segundo esta tese inconstitucional, defendida pela bancada ruralista, os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988. A adoção do marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de muitas Terras Indígenas em todo o país.


No dia 16 de agosto, o STF julgará três Ações Civis Originárias (ACOs) referentes à demarcação de Terras Indígenas, e o marco temporal pode voltar à discussão na corte. Por isso, as decisões dos ministros sobre as ACOs envolvendo o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e Terras Indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para o futuro dos povos em todo o país.

“A gente vem de longe, passando dificuldade na estrada, para vir aqui reivindicar um direito que é nosso. Nós não devíamos nem estar aqui. Essa tese do marco temporal vem afetar diretamente nossas comunidades, nossos direitos. Nossos anciões estão sofrendo muito com essa possibilidade da Justiça tirar o nosso direito”, afirma Currupixá Pataxó, cacique da aldeia Xandó, na Terra Indígena (TI) Barra Velha, extremo sul da Bahia.

Enquanto um grupo de indígenas protocolava documentos em defesa de seus direitos constitucionais nos gabinetes dos ministros, pedindo ao STF que julgue os casos de acordo com a Constituição Federal e não com o marco temporal, outro grupo de indígenas realizava um toré do lado de fora, dançando e cantando em frente à entrada principal do prédio e à estátua que representa a Justiça.

Recentemente, o presidente Michel Temer assinou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) determinando aos órgãos do Executivo a adoção das condicionantes do caso Raposa Serra do Sol em todos os processos administrativos envolvendo Terras Indígenas. O acórdão, que o próprio STF definiu que não se estenderia a outras Terras, proíbe a revisão de limites de áreas demarcadas abaixo de seu tamanho real – o que os ruralistas chamam equivocadamente de “ampliação” – e estabelece o marco temporal como regra para as demarcações.

O parecer da AGU fez parte do grande leilão de Temer para garantir votos na Câmara dos Deputados e se livrar da acusação de corrupção passiva feita pela Procuradoria-Geral da República. Após a negociação com Temer, a bancada ruralista cumpriu sua parte do acordo e teve grande peso na votação desta quarta (2), em que Temer acabou livre da investigação pelo STF e do afastamento da Presidência.

“A gente sabe que a bancada ruralista aqui em Brasília tem um poder muito grande e junto com o governo estão querendo tirar o nosso direito. Não é justo, porque nós não somos invasores. Somos donos das nossas terras”, complementa Currupixá Pataxó.

“Esse marco temporal dá a possibilidade dos fazendeiros invadirem as terras que estão demarcadas, e das que não estão demarcadas não serem nunca. Ele vai trazer muita violência dentro das Terras Indígenas. Pedimos que o STF enterre essa tese de vez, porque para nós é uma coisa muito grave”, afirma Hozana Puruborá, liderança indígena de Rondônia.

Na prática, o marco temporal anistia as violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988, incluindo políticas de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões especiais. Sua consolidação significaria aos invasores um sinal de que o Estado brasileiro não pune o esbulho de terras indígenas.

“O marco temporal viola nossos direitos originários. É um mecanismo para que o Estado brasileiro não cumpra com o seu dever de fazer a reparação dos danos causados aos povos indígenas”, avalia José Luís Kassupá, liderança indígena de Rondônia e coordenador executivo da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso do Sul e Sul do Amazonas (Opiroma).

“Além disso, o marco temporal legaliza as invasões dentro das Terras Indígenas. É o caso do estado de Rondônia, onde tem loteamentos feito dentro de terras demarcadas, e o marco temporal vem legitimar isso”, prossegue. “Mais de 30 anos que estamos lutando, e o marco temporal desconsidera isso. Nós, povos indígenas, temos que nos unir para conscientizar o Supremo para que não aprove o marco temporal, pois se aprovar, estará apagando a história dos povos indígenas no Brasil”.

“Estamos vivendo numa situação muito difícil lá no Mato Grosso do Sul por causa da não demarcação das nossas terras. Nós vivemos de violência, de massacre, sendo expulsos de nossas terras por causa deste marco temporal, que não está valendo como lei mas que na prática está funcionando”, afirmou para a ministra Rosa Weber, em audiência durante o Acampamento Terra Livre, o Guarani Kaiowá Elizeu Lopes, do conselho da Aty Guasu e da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O ato desta quinta-feira foi a primeira de uma série de mobilizações e atividades previstas para as próximas semanas, passando pelo Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, até os julgamentos do dia 16.

Fonte: CIMI- Conselho Indigenista Missionário

O silêncio das ruas revela que não há mais esperança nas instituições brasileiras

Dom Luiz Demétrio Valentini, bispo-emérito de Jales (SP), esteve em Brasília-DF, dias 31 de julho e 1º de agosto, para o encontro dos bispos da área social e os que integram a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 
Natural de São Valentim (RS), o religioso, que presidiu a Cáritas Brasileira por dois mandatos, concedeu entrevista ao Portal da CNBB sobre a crise brasileira. 

Para ele, o silêncio das ruas não é uma concordância tácita com o que está acontecendo, como alguns querem fazer acreditar. Pelo contrário, “é um sintoma preocupante de que não temos mais esperanças e sinais concretos para recuperar o rumo da caminhada histórica do Brasil”.

De acordo com o bispo-emérito, o poder Judiciário e o Congresso Nacional estão instrumentalizados para salvar os seus próprios privilégios. “Não se pode permitir que ministros do Supremo Tribunal Federal façam do seu cargo uma opção política partidária a ser defendida publicamente. Isto diminui a legitimidade, a confiança e é perigoso para uma nação”, disse. Dom Demétrio disse que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos agora serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados.

Segundo o bispo, “o trecho do cântico de Jeremias (Cântico Jr 14,17-21): “Até o profeta e o sacerdote perambulam pela terra sem saber o que se passa”, é uma descrição simbólica do que estamos vivendo no país. O religioso afirma que torna-se necessário ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e destino históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir todas estas realidades para que a cidadania brasileira reencontre os rumos do país. Leia abaixo a íntegra da entrevista que ele concedeu ao Portal da CNBB.

Portal CNBB – Como avalia a crise política brasileira?
Dom Demétrio – Certamente, estamos vivendo um momento difícil, todos reconhecem, no qual há uma perca da identidade do povo brasileiro. Se torna necessário ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e destino históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir todas estas realidades para recuperarmos um projeto de Nação. Estamos esquecendo nosso projeto de nação. Estamos sentindo novamente a necessidade de fazer, por exemplo, uma nova semana social brasileira para que a Igreja possa cumprir esta tarefa importante que tem de identificar e saber o que está acontecendo. Como diz o cântico de Jeremias: 

“Até o sacerdote e o profeta perambulam pela rua sem saber o que acontece”. É um pouco a descrição simbólica da realidade que estamos vivendo agora. A ausência de posicionamento revela de um lado um descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro. De tal modo que há um descrédito generalizado. Não é uma concordância tácita não, como alguns pretendem instrumentalizar este silêncio das ruas. 

É um sintoma preocupante de que não temos mais esperanças, sinais concretos de referências práticas para recuperar o rumo da nossa caminhada histórica do Brasil. Estamos vivendo um momento difícil que se caracteriza, sobretudo, pelo descrédito das instituições e por sua incapacidade em recuperar e superar a pecha sempre crescente da sua falta de legitimidade perante o povo brasileiro. Estamos vivendo um momento muito difícil no Brasil e precisamos nos rearticular, enquanto Pastorais Sociais da CNBB como um todo, e retomar nossa missão profética de questionar os equívocos que estão acontecendo, os erros praticados e projetar para frente um novo projeto de Brasil que queremos.

Portal CNBB – Como avalia os passos do Michel Temer depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff?
Dom Demétrio – Se há dificuldades de convergências em torno de um projeto de país por outro se criou uma convergência que assusta. Interesses que estão se consolidando e convergindo para que se instrumentalizem o Congresso Nacional e o poder judiciário para salvar os próprios privilégios. 

Há uma espécie de trama que está sendo orquestrada para que isto se torne invisível e leve o Congresso a retrocessos políticos como, por exemplo, o que estamos assistindo com a nova lei trabalhista aprovada e a nova a lei da previdência social que estão propondo. Existe um interesse do liberalismo econômico que está voltando com força, como se a solução do Brasil fosse voltarmos aos tempos da revolução industrial em que se confrontavam os pequenos contra os poderosos, sempre com desvantagem evidente para os pequenos. Agora estamos assistindo esta realidade em que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados, mas que aos poucos precisamos identificar para nos posicionar diante da crise política que estamos vivendo.

Portal CNBB – Como avalia o papel que o judiciário está desempenhando neste contexto de crise?
Dom Demétrio – Infelizmente ele também padece de credibilidade. Poucos têm segurança em pensar no Supremo Tribunal Federal e em outras instâncias da Justiça Brasileira. Existe uma insegurança e uma mescla de ações e atitudes que são claramente partidárias. 

Por exemplo, não se pode permitir que ministros do Supremo Tribunal Federal façam do seu cargo uma opção política partidária a ser defendida publicamente. Isto diminui a legitimidade, a confiança e é perigoso para uma nação. Quando se perde a confiança no judiciário estamos no limite da credibilidade fundamental que é preciso que exista, minimamente, para se levar em frente um projeto de país. Então o próprio Judiciário precisaria se questionar e deixar de ter posicionamento partidário e voltar a cumprir sua missão de ser a instância capaz de discernir e fazer as ponderações necessárias e avaliar bem para tomar decisões com legitimidade. A falta de credibilidade do judiciário é mais um sintoma da crise que estamos vivendo.

Portal CNBB – Neste contexto de crise das instituições e da própria democracia no Brasil, qual deve ser o papel da Igreja?
Dom Demétrio – Precisamos retomar a intuição de uma Constituinte para de novo repropor um projeto de país. Neste sentido, a Igreja se sente próxima ao povo, e deve se tornar mais próxima ainda, para poder recolher e ajudar a articular.

Falta articulação no país agora, falta uma mediação e não existem instâncias que têm credibilidade para fazer esta mediação. Penso que a Igreja pode propor e se apresentar, não como aquela que tem a solução, mas com quem estimula a cidadania brasileira a reencontrar os rumos do país. Penso que a Igreja não pode fechar os olhos e não se omitir, precisa enfrentar o desafio de compreender a realidade e perceber quais são os interesses que estão em jogo e não se deixar instrumentalizar. Existe um desafio bem concreto para a Igreja de voltar a assumir a causa do país para que a cidadania possa retomar a sua vigência, sua ação concreta e sua articulação em benefício de toda a nação brasileira.

“A ausência de posicionamento revela de um lado um descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro”.

Fonte: CNBB

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