O Conselho do Aty Guasu
Guarani e Kaiowá entregou nesta quarta, 8, uma carta ao Ministério Público
Federal (MPF) em Dourados (MS), acusando de "sorrateira" a vinda ao
Mato Grosso do Sul de deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que
investiga a Fundação Nacional do Índio (Funai) no Congresso Nacional.
Segundo as lideranças do
Aty Guasu - organização política dos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul -,
os indígenas não foram informados das atividades da CPI no estado, e temem que
as investigações se limitem a ouvir "um lado só", em referência a
possiveis encontros com produtores e sindicatos rurais.
A diligência está sendo
conduzida em sigilo na região pela deputada Tereza Cristina (PSB-MS),
subrelatora da CPI que também investiga o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra). Segundo informações da imprensa local, a deputada
visitará ao menos três cidades: Campo Grande, Dourados e Amambai, na fronteira
com o Paraguai.
CPI DOS RURALISTAS
Impulsionada pela Frente
Parlamentar Agropecuária (FPA), a CPI tem como objetivo formal investigar
denúncias contra a Funai e o Incra em processos de demarcação de terras
Indígenas e quilombolas em todo o país.
No entanto, indígenas e
movimentos sociais do campo tem denunciado a comissão como um instrumento de
criminalização do movimento indígena, de seus apoiadores e também de desmonte
dos órgãos públicos oficiais do indigenismo e da reforma agrária.
Em nota, a Funai também
criticou a CPI, acusando seus parlamentares de agirem "para flexibilizar
direitos e tornar os territórios indígenas e quilombolas vulneráveis aos
interesses empresariais e econômicos dominantes na nossa sociedade".
De 27 titulares da CPI, 19
são ruralistas e, destes, 13 participaram da comissão da PEC 215, emenda
constitucional que prevê a transferência das demarcações de terras indígenas do
poder executivo para o legislativo. Os principais cargos do colegiado da CPI
são ocupados por apoiadores da proposta.
Leia a carta na íntegra:
CARTA DA ATY GUASU CONTRA
A VINDA SORRATEIRA DA CPI DA FUNAI AO MATO GROSSO DO SUL
Através de notícias que
caminham em forma de boatos pelos nossos tekoha, nós Guarani e Kaiowa da Grande
Assembleia Aty Guasu soubemos que uma comitiva da CPI da FUNAI chegou aqui no
estado do Mato Grosso do Sul.
Nos sentimos
desrespeitados em nossos direitos por não termos recebido nenhum comunicado.
Somos lideranças, temos nossas organizações originárias e temos o direito
garantido pela Constituição deste país e por diretrizes internacionais de
participação em toda e qualquer agenda que esteja relacionada com nossos
direitos e com nossas vidas.
Nós somos os maiores
interessados em barrar essa investida que criminaliza nosso movimento, através
do enfraquecimnto da FUNAI, que é alvo destes ataques, e também não foi
avisada, ficando impedida de se defender dos ataques sofridos.
Quando vamos a Brasília,
somos forçados por seguranças a cumprir os ritos e protocolos dos deputados
para poder entrar no Congresso. Pois bem, se respeitamos isso, os deputados
também devem respeitar nossos protocolos e os protocolos de nossas aldeias, é o
mínimo que se espera quando se tratam de ações de órgãos federais usando de
dinheiro público e em respeito a qualquer possibilidade de democracia.
Por que a comitiva veio
desse jeito?, sorrateira feito cobra que se arrasta pelo mato? Ou vão apenas
sentar com os sindicatos rurais usando dinheiro público em novo favor ao
ruralismo? Ou tentar pegar algum indígena desavisado em algumas de nossas
aldeias, que se sentindo pressionado possa dizer algo que seja útil para os
deputados nas investidas que fazem contra nosso povo?
Depois das palavras ditas
publicamente por Luiz Carlos Heinze, que faz parte desta CPI, na ultima semana
sabemos que esta comitiva não vem apenas furtiva como cobra, mas sim a passos
de capitães do mato, para desmontar a FUNAI e punir os indígenas pelo “atraso
do Brasil”.
É um absurdo que
parlamentares públicos ajam deste jeito, criando agendas que nos deixem
impossibilitados de participar, como se não fôssemos também cidadãos. Parece
que a comitiva já vem com sua “verdade” pronta, fazendo uma agenda de um lado
só. E desrespeitando assim nossos modos, nossa organização e nossa
coletividade, já avisamos que nos negaremos a falar em programações surpresas e
invasivas. Tem que avisar, temos que saber, é uma questão de respeito e de
direito. Tem que respeitar nossos lideres, nossa organização. Sabemos que o
Conselho do Povo Terena também não foi comunicado.
Soubemos que é a deputada
Tereza Cristina que esta a frente desta comitiva. Ela não gosta de índio, nunca
gostou, mas como deputada deve agir de maneira publica e respeitosa e não de
maneira privada como as cercas das propriedades que ela defende. Ela estava
naquela reunião do sindicato com os ruralistas que atacaram Ñanderu Marangatu.
Na mesma tarde, as pessoas que estavam nesta reunião seguiram a fazendeira pra
nos expulsar da terra, e ali dentro do tekoha foi assassinado o Simeão
Vilhalva, que tinha 24 anos, que levou um tiro na cabeça.
Por isso nós, rezadores,
lideranças e conselheiros da Grande Assembleia da Aty Guasu Guarani e Kaiowa,
representando mais de 50 mil indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul,
repudiamos a “agenda” desrespeitosa, arbitrária, sorrateira e criminalizadora da
comitiva da CPI da FUNAI no estado do Mato Grosso do sul.
Por isso pedimos nesta carta ao Ministério Publico e que
os órgãos responsáveis ANULEM IMEDIATAMENTE QUALQUER EFEITO OU DESDOBRAMENTO
DESTA AGENDA. Que até que ela não seja realizada claramente e de modo
transparente e respeitoso ela não seja validada. Pois é feita impedindo a
participação de nosso povo, na nossa forma de nos organizarmos prevista em lei.
Nós somos os maiores atingidos por esta CPI e exigimos respeito com nossos
direitos conquistados pelo sangue de tantos guerreiros e guerreiras.
Fonte: CIMI- Conselho Indìgenista Missionário