O atraso social e a
concentração de renda têm raízes na história.
Sempre que volto do Vale do São Francisco não resisto
comentar o que observei na região, do alto e com a lupa. Lá, tenho negócios e
paixões. Aos primeiros, leva-me o trabalho de oferecer matéria orgânica e
tecnologias naturais para aumentar a produtividade de quem decidiu plantar,
exportar e lucrar com frutas de alta qualidade no semiárido. Às paixões,
levam-me o povo e a cultura nordestinos.
Na semana passada, estive em Petrolina para trabalhar e
participar de um evento esportivo da TV Grande Rio. Talvez por
vivermos um momento triste, no qual mais uma vez a Federação de Corporações
sangra nosso direito de democracia, desenvolvimento e inserção social, fui
menos paixão e negócios, e mais colunista de CartaCapital.
Fiz perguntas e anotações. Desconfiei de passado e
presente que fazem evidentes os descaminhos políticos da região e consequentes
distorções econômicas e sociais. Petrolina revive um paradigma antes muito
utilizado: a convivência maligna entre a riqueza exuberante de poucos e a
pobreza expressiva de muitos, o que sugeria vivermos em país parte Bélgica
parte Índia, a Belíndia.
Padres capuchinhos, em missão de catequese indígena no
final do século 17, começaram a desbravar aquela região de caatinga do médio
São Francisco. Passaram-se dois séculos para que fosse fundada como Vila, em
1870, e mais 23 anos para município com autonomia legislativa.
Não se trata, pois, de um aglomerado urbano novo, como os
polos criados no Centro-Oeste a partir do crescimento do plantio de grãos.
Teria idade para ter-se desenvolvido mais, não fossem os entraves do semiárido
nordestino, de recente solução.
Tem população estimada em 350 mil habitantes, PIB per
capita de 15.334 reais, e IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,697.
Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.000 estão à sua frente.
Depois que as águas do São Francisco possibilitaram
contornar o principal entrave do semiárido, em Petrolina e região
desenvolveu-se avançado polo produtor e exportador de frutas de ótima
qualidade. A expressão econômica da região cresceu e trouxe com ela agregação
de valor através de indústrias, comércio e serviços.
Por que, então, a visível pobreza?
Embora o Censo IBGE 2010 mostre Petrolina com 32% de
brancos e 68% de pardos, negros, amarelos e indígenas, a impressão é de que
apenas os primeiros frequentam o luxo da cidade, expressão territorial na
chamada Orla e comercial no River Shopping.
Espanta numa cidade banhada pelo rio São Francisco, de
agricultura viável e rica por efeito da água de irrigação, predominarem grandes
extensões de terras como se desertos fossem. Poucas praças, ínfima arborização,
paisagismo restrito aos guetos particulares em condomínios residenciais de luxo
ou estabelecimentos comerciais de caro consumo.
Apesar de parte da explicação eu já conhecer através dos
livros e do que me foi ensinado nos “barracões” da Ciências Sociais, na
caminhonete de um grande amigo e empresário, pergunto os motivos para a
convivência de exuberante riqueza e desoladora miséria.
“Vou te mostrar”, respondeu, se encaminhando para zonas
periféricas à Orla e ao Centro da cidade.
- Vê esse terrenão? Dos Coelhos. Aquele posto de
gasolina? Dos Coelhos. O supermercado? Também. Concessões de TV e rádio? Idem.
De volta ao asfalto da Orla, percorremos vários
quilômetros. De um lado, edifícios altos e modernos, hotéis e restaurantes de
arquitetura arrojada. De outro, olhando-se em direção ao rio, pouco se vê do
“Chico”, apenas longas extensões de terras áridas de caatinga. De tempos em
tempos, aparecem condomínios de luxo ali incrustados.
Pergunto: “E essas extensões de terras descuidadas,
vazias”?
- Tocas de Coelhos esperando valorização para venda.
Não pensem, no entanto, que isso tudo é falado como
recriminação. No Brasil, patrimonialismo e desenvolvimento nem sempre foram
fatores antagônicos. Muito do que hoje Petrolina tem de bom se deve aos
empreendimentos dos Coelhos, como políticos e empresários.
A saga do clã começa ainda nos primeiros anos do século
20, com o coronel Quelê, apelido de Clementino Coelho, líder político e
econômico da região, desde a República Velha.
Quelê Coelho teve farta prole, 11 filhos. Entre eles,
Nilo Coelho, governador biônico de Pernambuco de 1967 a 1971, senador da Arena
e do PDS, e presidente do Congresso Nacional, em 1983.
Ao encaminhar seu filho médico, Nilo Coelho, para a
política, fez dele o grande indutor do avanço de Petrolina. Pavimentou
estradas, criou médias e pequenas empresas, levou eletricidade e postos de
saúde às vilas rurais, ergueu casas populares. Mas, apaixonado, implantou os
projetos de irrigação que vira nos EUA.
Como em todo patriarcado, ramos da família acabam
rachados. Nem por isso suas fortunas diminuíram, pelo contrário, aumentaram.
Nada, porém, mais determinante do atraso social e da concentração de renda.
Quem foi ao Maranhão e conhece o clã Ribamar, sabe disso.
Será muito difícil a querida Petrolina superar a
desigualdade sem fugir do coronelato político.
Por Rui Daher