Segundo Celso Bandeira de Mello, a condução coercitiva
foi uma "ilegalidade grosseira", mas quando se "acaba o Estado
de Direito, tudo pode acontecer".
"Foi cometida uma ilegalidade grosseira. Não se
conduz coercitivamente alguém se não quando este alguém se recusa a
depor". Com esse esclarecimento, o jurista e professor emérito da PUC-SP,
Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma que o juiz Sérgio Moro e o Ministério
Público Federal do Paraná deveriam ser punidos por autorizar a condução
coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na manhã desta
sexta-feira (4).
Bandeira de Mello, um dos maiores especialistas em
direito administrativo do país, acredita que Moro e o MPF deveriam sofrer uma
sanção "por ter desorbitado na sua competência". No entanto, ele
acredita que isso não ocorrerá, e critica: "estamos agora em um 'Estado
Policial', em que a imprensa é quem decide as coisas e os outros fazem. E quando
acaba o Estado de Direito, tudo pode acontecer."
O jurista ainda analisa que o resultado da ação será o
oposto do que espera a oposição. "Este tiro saiu pela culatra, porque isso
vai provocar uma união do PT" , afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.
Confira:
Qual sua avaliação sobre o mandado de condução coercitiva
para o ex-presidente Lula nesta sexta-feira (4)?
Na verdade, nem é uma avaliação, mas uma verificação
jurídica: foi cometida uma ilegalidade grosseira. Não se conduz coercitivamente
alguém se não quando este alguém se recusa a depor. Se é uma pessoa que nunca
se recusou a depor; com um local certo, que todo mundo sabe onde está; se é uma
pessoa pública como é o caso do ex-presidente Lula, que sempre depôs quando
convocado, não tem nenhum sentido uma condução coercitiva.
Uma condução coercitiva é uma violência, literalmente, em
um caso como este. Isso é um ilegalidade grosseira. Se nós estivessémos em um
Estado de Direito, quem determinou essa ilegalidade obviamente sofreria uma
sanção por ter desorbitado na sua competência.
Cabe alguma representação contra o Ministério Público
Federal?
A meu ver, cabe contra o juiz que ordenou. E também
contra o MPF, porque [o Ministério Público] não deve cumprir ordem
manifestadamente ilegal. Essa é uma ordem ilegal, logo, também o MPF deveria
ser punido.
Então caberia uma ação contra o juiz Sérgio Moro?
Claro. Ele praticou uma ilegalidade. Ele e o Ministério
Público. Mas isto, pelo ponto de vista do direito, mas nós não estamos mais no
Estado de Direito. Para mim, isso é evidente. Estamos agora em um 'Estado
Policial', em que a imprensa é quem decide as coisas e os outros fazem. E
quando acaba o Estado de Direito, tudo pode acontecer.
Qual o precedente que esta ação abre, do ponto de vista
jurídico?
Na minha visão, não vai acontecer nada de relevante
porque o que deveria acontecer é a responsabilização do juiz por essa
ilegalidade, e do Ministério Público por ter cumprido a ordem ilegal. Essa
deveria ser a sequência do ponto de vista do direito. Mas o ponto de vista do
direito supõe uma normalidade, e não estamos vivendo em um clima de
normalidade, não é? Eu, pelo menos, acho que não.
Na minha opinião, esse tiro saiu pela culatra porque isso
vai provocar uma união do PT. O partido que estava muito de cabeça baixa, vai
levantar a cabeça depois disso. O Lula, que estava muito comedido,
provavelmente também vai se tornar mais ativo. De maneira que, quando ele
ganhar as eleições, que é o que inevitavelmente vai acontecer agora que existe
uma áurea de perseguir ele - e é evidente que isso tudo é uma perseguição
contra ele, esse escândalo foi completamente desnecessário, descabido e ilegal,
eu diria - a posição dos legalistas se fortaleceu.
É isso que eu acho que é o resultado dessa medida inábil
que eles tomaram. Mas é difícil falar do futuro, porque estou falando
isso dentro de uma perspectiva do direito existente. Se o direito deixar de
existir completamente, nada do que estou observando tem valor.
Por Rute Pina,
Da Redação
Brasil de Fato
Adaptação de imagem:
Cicero Do Carmo