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quinta-feira, 7 de julho de 2016

Juiz é acusado de perseguir indígenas e obrigar agentes públicos federais a cumprir reintegração de posse no MS

Numa operação desproporcional, quase uma centena de policiais despejou nove famílias Guarani Kaiowa do tekoha Apyka'i, na manhã desta quarta, 6, no município de Dourados (MS). 
Os pertences dos indígenas foram retirados e colocados em caminhões, e todos os barracos foram destruídos com um trator do tipo pá carregadeira.
O proprietário da fazenda, Cassio Guilherme Bonilha Tecchio, estava no local, e garantiu a servidores públicos que não violaria os túmulos dos nove indígenas enterrados no local. A área é arrendada para o plantio de cana da Usina São Fernando, propriedade de José Carlos Bumlai, preso em 2015 na Operação Lava Jato.

A operação teve início às 6 da manhã e foi realizada pela Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Militar, em cumprimento à decisão judicial de reintegração de posse da área, assinada pelo juiz substituto Fábio Kaiut Nunes, da 1a. Vara da Justiça Federal de Dourados. A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi informada do despejo apenas quando as forças policiais haviam iniciado o procedimento.


A reintegração foi realizada mesmo com pedido da Funai de suspensão de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda não julgado - o STF aguardava a manifestação do Ministério Público Federal (MPF) no processo para decidir sobre o pedido. Também, o despejo ocorre uma semana após a publicação de uma portaria da Funai, na última semana, estabelecendo o Grupo de Trabalho (GT) responsável pela demarcação de Apyka'i.

Os caminhões levariam os pertences dos indígenas a qualquer lugar que eles quisessem. O lugar escolhido foi a beira da estrada em frente ao tekoha, onde por mais de uma década viveram os Kaiowa e, agora, debaixo de chuva forte, a 10 graus de temperatura, os indígenas voltam a erguer novos barracos.

Prevaricação
Esta não é a primeira vez que o juiz substituto em estágio probatório da 1a. Vara da Justiça Federal de Dourados decide pela reintegração de posse contra os Kaiowa de Apyka'i, apesar da forte oposição dos indígenas e de diversas organizações de direitos humanos do mundo todo contra o despejo.

Na última decisão, em maio, Kaiut requisitou ao governo do Mato Grosso do Sul o uso da PM para o cumprir a reintegração, mas o pedido foi negado. Em sua decisão, Kaiut exigiu que a Procuradoria Geral da República "adote as medidas cabíveis" contra o governo do estado pelo não-cumprimento. Tanbém solicitou ao Ministro da Justiça o uso da Força Nacional de Segurança (FNS), que respondeu ao magistrado não estar entre suas atribuições o despejo dos indígenas.

Dessa forma, no dia 14 de junho, uma nova decisão de Kaiut determinou novamente a reintegração de posse, "no prazo improrrogável de 15 dias, sob pena de apuração da prática de crime de prevaricação por parte dos agentes públicos federais"- ou seja, caso não cumprissem a ordem, os policiais responderiam a ação penal.

Em carta assinada por mais de 700 indígenas, o Conselho do Aty Guasu - Grande Assembleia - Guarani e Kaiowa denunciou "a perseguição que sofremos do juiz Fabio Kaiut Nunes (...) tem realizado uma verdadeira cruzada contra nosso povo, inclusive tem forçado a policia a cumprir ordem de despejo (...) mesmo quando a policia entende a ação como excessiva e não quer cumprir", e sugere que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) "estudem as decisões deste juiz e veja sua prática contra nosso povo".

O mesmo juiz negou pedido de indenização por danos morais coletivos contra Aurelino Arce, proprietário da empresa de segurança privada Gaspem, acusada de atos de violência contra grupos indígenas no Mato Grosso do Sul, determinando o arquivamento da ação e o pagamento de honorários advocatícios pelo MPF, no valor de R$ 3 mil, exigência considerada inédita.

O tekoha
Por mais de uma década, as nove famílias do Apyka'i viveram na beira da estrada, sofrendo ataques de seguranças privados, tendo seus barracos criminosamente incendiados a mando de produtores rurais, bebendo da água mais podre dos córregos envenenados pela monocultura - figurando, assim, como uma espécie de "comunidade modelo" do genocídio que sofrem os povos indígenas no Brasil.

Desde 2013, os indígenas retomaram parte do território reivindicado como tradicional, onde incide a fazenda Serrana, propriedade de Cassio Guilherme Bonilla, arrendada para a gigante do setor sucroalcooleiro Usina São Fernando.

Nove pessoas faleceram no local - oito, vítimas de atropelamentos, e uma envenenada por agrotóxicos utilizados nas plantações que circundam a retomada. Os moradores do tekoha sobrevivem essencialmente de doações e de cestas básicas oferecidas por apoiadores e pela Funai. Não tem acesso à água, à floresta, è educação, saúde, à segurança ou a dignidade mínima.

A usina
Instalada em Dourados em 2009, a Usina São Fernando é um empreendimento do Grupo Bertin, um dos maiores frigoríficos produtores e exportadores de itens de origem animal das Américas, e da Agropecuária JB, ligada ao Grupo Bumlai, especializado em melhoramento genético de gado de corte. Um dos territórios utilizados pela usina para produzir cana é reivindicado pelo Kaiowá do Apyka’i.

Em 2010, sob perigo de perder sua licença de operação em função de diversos descumprimentos legais em questões trabalhalistas, ambientais e indígenas, a usina teve de assinar um termo de cooperação e compromisso de responsabilidades na Justiça.

Entre as condicionantes estabelecidas pelo Ministério Público Estadual, Ministério Público do Trabalho e MPF, a usina era obrigada a não renovar o contrato de arrendamento da fazenda Serrana, de Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, propriedade que incide sobre o território reivindicado como Apyka’i pela família de Damiana, quando o atual findasse.


Em 2015, José Carlos Bumlai foi preso no decurso da Operação Lava Jato, acusado de fazer parte de um esquema de corrupção e fraude no pagamento de dívidas de campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores.

Fonte: Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

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