As estigmas causadas pela Ditatura Militar ocultadas pela anistia da impunidade é a vergonha da sociedade brasileira.
Eu quero contar uma
história pra vocês. Praticamente um ano atrás, dia 27 de abril de 2015 durante
a madrugada, dois andares acima de mim no apartamento 601, morria
minha vizinha Inês Etienne Romeu. Ex militante e integrante da luta armada
contra a ditadura militar, ela não só foi a última presa política libertada no
Brasil como foi a única sobrevivente da casa da morte em Petrópolis. Presa
ilegalmente em 1971, ela foi espancada, torturada e pendurada no pau-de-arara.
Para escapar inventou para seus captores que tinha um encontro com um
guerrilheiro em determinado local do bairro de Cascadura, no Rio de Janeiro. Ao
chegar no local tentou suicidar-se jogando-se na frente de um ônibus. Foi
arrastada pelo ônibus mas não morreu. Após passagem pelo Hospital da Vila
Militar foi levada para uma casa em Petrópolis, na Rua Artur Barbosa, 668, “A
casa da morte”. Ali permaneceu sob tortura, espancamento, choques elétricos e estupros.
No inverno de Petrópolis, onde a temperatura podia chegar a menos de 10ºC, era
obrigada a deitar nua no cimento molhado e levou tantos socos e sofreu tantas
agressões que seu rosto tornou-se irreconhecível. Neste período era obrigada a
cozinhar nua sendo humilhada por seus carcereiros. Assim como os outros presos
da casa, Inês não deveria sair viva de Petrópolis. Contudo, segundo um de seus
captores, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães (codinome: "Dr.
Diablo"), declarou mais de 40 anos depois, os torturadores cometeram o
erro de libertá-la acreditando que, depois de intensa tortura e cativeiro, ela
tivesse aceito o papel de infiltrada em sua própria organização. Foi jogada na
casa de uma irmã, em Belo Horizonte, pesando 32 quilos. Inês passou a
dedicar-se à denúncia e esclarecimento dos crimes ocorridos nos porões da
ditadura. Em 2003, aos 61 anos, foi encontrada caída e ensanguentada em seu
apartamento, com traumatismo cranioencefálico por golpes múltiplos diversos,
depois de receber a visita de um homem que se fez passar por um marceneiro
contratado para um serviço doméstico. Em fuga, saiu de São Paulo e mudou-se
para o Rio de Janeiro onde teve que se mudar diversas vezes para preservar sua
identidade e seu endereço. Importante entender que ontem o deputado federal
Jair Bolsonaro manchou a memória de Inês e de todos nós brasileiros quando
homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra (coronel do Exército Brasileiro,
ex-chefe de órgãos atuantes na repressão durante o período do regime militar no
Brasil) e não saiu algemado da câmara dos deputados. Imagino o terror que Inês
sentiria novamente ao saber que vive num prédio, numa cidade, num país... onde
existem pessoas que idolatram o homem que homenageia seus torturadores. Acho
que ela partiu na hora certa. Inês era uma senhora que já não podia falar, não
podia andar sem andador e acompanhante e quase nunca saia de casa. Infelizmente
tivemos muito pouco contato. Ela sempre carregava um sorriso triste e um
mistério nos olhos, como quem guardava algum segredo, como quem ainda precisava
falar alguma coisa. Ela morreu dormindo. Depois do que ouvi ontem, acredito que
muita coisa tenha morrido ali, junto com ela, também.
Relato de Diogo Martins
Via Facebook