Uma excelente análise de conjuntura sobre a mídia no Brasil.
O texto a seguir é o
resultado de uma pesquisa da jornalista Cileide Alves, comparando os editoriais
dos três maiores jornais do país nas crises de 1964, 1992 e 2016. O
trabalho, publicado originalmente na plataforma Medium, chega a uma conclusão surpreendente: os editoriais são
mais confiáveis que as notícias nos tres maiores jornais do país.
(...)
Numa sociedade horizontalizada pelas
redes sociais, pais, padres, professores, médicos, para citar alguns exemplos,
perderam autoridade. A hierarquia
quebrou-se. Os políticos perderam credibilidade, mas não o poder, e não seria
diferente com a mídia, a mais exposta. Ao longo desses dois anos de governo
tumultuado de Dilma Rousseff, o papel da imprensa foi colocado em xeque em
inúmeros artigos jornalísticos e acadêmicos, discursos e bate-papo nas redes
sociais.
Assim
comecei a me questionar. Qual foi o papel da mídia no processo de impeachment
de Dilma? Decidi fazer uma pesquisa em três momentos de queda de presidentes da
República no Brasil. Diante da dificuldade de acesso a arquivos de tipos
diferentes de mídia, optei por três jornais cujos acervos estão disponíveis na
internet: Folha de S.Paulo, O Estado de
S.Paulo e O GLOBO.
Escolhi
três fatos: a deposição do presidente João Goulart, em 1964, pelo golpe
militar; o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992; e o
processo de impeachment atual. Dediquei várias horas a ler editorais dos três
jornais de março e abril de 1964; de setembro e dezembro de 1992, meses da
admissibilidade do impeachment e da renúncia de Collor respectivamente, e o
apanhado de editorais de janeiro a 20 de abril deste ano dos mesmos jornais. (...)
Conclusão: os jornais, como em
64, escolheram um lado
A Guerra Fria dividiu o
mundo na década de 60 e essa influência internacional contaminou a política
brasileira. A imprensa (representada neste texto pelos três jornais
pesquisados) juntou-se aos empresários, militares, movimentos sociais, igreja,
e convenceu a população de que o Brasil corria o risco de se transformar em um
país comunista pelas mãos do presidente João Goulart. Foi um dos agentes da
deposição de Goulart.
A disputa ideológica entre
direita e esquerda ganhou a adesão dos jornais, sob o pretexto de proteger o
país dos comunistas e dos totalitários. Os jornais se juntaram aos “bons” na
luta contra o “mal” e contribuiu decisivamente para implantação do regime que
por 21 anos comandou perseguições políticas, prisões, torturas e mortes. Ela
própria depois se tornou vítima, a exemplo de tantos outros apoiadores do
golpe, como o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda — para ficar apenas
em um exemplo –, o maior líder da oposição aos governos de Getúlio Vargas,
Juscelino Kubitschek e João Goulart que depois foi cassado e preso.
Em 1992 a direita estava
envergonhada com o recente fim da ditadura militar. A oposição a Collor de
Mello uniu todas as forças políticas brasileiras. O país estava em lua de mel
com seus políticos, em função da recente redemocratização. Confiava-se que os
políticos resolveriam os problemas da Nação pós-queda do presidente. Não havia
disputa ideológica, mas uma quase unanimidade contra um governo que liderou o
“maior esquema de corrupção da história”. Além da corrupção, que chocou a
população à época tal qual a Lava Jato nos dias de hoje, a crise econômica era
superior à atual. A inflação estava na casa dos 80%; a taxa de desemprego era
igualmente alta e nossa moeda, que já havia mudado de nome várias vezes, nem
valor tinha.
Políticos de esquerda, de
direita, empresários (também liderados pela Fiesp), sindicalistas, movimentos
sociais, igreja todos se uniram pelo impeachment. À imprensa (em especial os jornais
e as revistas semanais) coube a tarefa de investigar e fazer a crônica dos
fatos, sem precisar se posicionar, como fizera em 1964. Talvez ainda estivesse
traumatizada com o erro do passado.
A atuação da imprensa em
2016 em nada lembra a de 1992. Diferentemente, há vários elementos que a
aproxima da de 1964. O contexto internacional mudou. Não há mais o fantasma do
comunismo da Guerra Fria. A disputa ideológica agora acontece nas Américas, com
os governos esquerdistas e populistas na Venezuela, Equador, Bolívia e
Argentina, este até a posse do novo presidente em dezembro. Daí surgiram os
novos “perigos” a assombrar os setores conservadores da sociedade brasileira.
Trocam-se as palavras comunismo e totalitarismo de 64 e por lulopetismo e
bolivarianismo. Formou-se, assim, o novo quadro ideológico que novamente uniu
jornais, empresários, parte da população e políticos contra esta ameaça moderna
representada no governo de Dilma Rousseff.
Na comparação dos
editoriais de 1992 com os de 2016, desta vez os jornais não tentaram fazer
apenas a crônica dos fatos jornalísticos. Eles mesmos se tornaram porta-vozes
dos setores que defendem o impeachment, tomando partido a favor de um dos lados
(aqui cabe ressalvar a posição mais neutra da Folha). O escritor Bernardo Carvalho
tratou desse assunto no artigo Jogando para a plateia, publicado dia
17 de abril na Folha.
“Por que, agora, quando
quero saber de um fato, leio uma coluna de opinião? Será simplesmente porque os
jornais estão cheios delas? (…) Ou será porque os fatos nunca estiveram tão
descaradamente editorializados? Ou porque a coluna de opinião é pelo menos uma
referência subjetiva identificável (sei quem está falando e por quê) em meio à
falsa objetividade da guerra de propaganda em que se converteu a mídia?”
Parodiando o escritor,
conclui depois dessa longa pesquisa que os jornais só estiveram “descaradamente
editorializados” como agora em 1964 e que, felizmente não é mais possível se
enganar com a falsa objetividade, há muito perdida “na guerra de propaganda em
que se converteu a mídia”. A coluna de opinião é, sim, mais confiável, pois o
leitor conhece quem está falando e por quê.
Cileide Alves é jornalista
e pesquisadora da mídia
Na íntegra em:
http://observatoriodaimprensa.com.br/
Resumo de texto: Cicero o Carmo