‘Trensalão’ e
Furnas: Processos e escândalos envolvendo tucanos ou ocorridos durante gestões
do PSDB estão emperrados na Justiça. O que explica este ‘fenômeno’?
Imagem: Frederico Haikal – Hoje em Dia |
Nos últimos anos, em um processo que começou com o mensalão e avança agora com a operação Lava Jato, o brasileiro se acostumou com algo até
então considerado improvável: ver políticos no banco dos réus. Ex-ministros,
senadores, tesoureiros e líderes partidários foram condenados a penas de prisão
em regime fechado. A lei parecia finalmente se voltar para os crimes de
colarinho branco cometidos por aqueles que integram o establishment político.
Se por um lado processos contra o PT e
partidos de sua base aliada avançam em ritmo acelerado, o mesmo não se pode
dizer dos dois grandes escândalos de gestões do PSDB.
Inquéritos estacionados há anos, juízes arquivando denúncias e penas
prescrevendo: esta é a história da lista de Furnas,
do trensalão e do mensalão
tucano.
O primeiro caso citado trata-se de um documento de cinco
páginas divulgado pela revista Carta Capital em 2006 que trazia os nomes de
políticos supostamente agraciados com contribuições de campanha frutos de um
esquema de caixa dois envolvendo a Furnas
Centrais Elétricas, empresa de capital misto do setor elétrico,
subsidiária da Eletrobras. No total, 156 políticos teriam recebido 40 milhões
de reais no pleito de 2002 – 5,5 milhões teriam irrigado a campanha de Aécio Neves. Geraldo
Alckmin e José Serra também
apareciam na planilha. Os tucanos sempre questionaram a autenticidade do
documento: “É uma das mais conhecidas fraudes políticas do País (…) uma
tentativa de dividir atenção da opinião pública”, afirmou Aécio em meio ao
escândalo do mensalão. Por outro lado, laudos da Polícia
Federal apontaram para a legitimidade da lista.
A lista voltou à tona graças a depoimentos de delatores
da Lava Jato. O doleiro e delator da operação da PF Alberto Youssef afirmou, em 2015, ter ouvido do ex-deputado José Janene (PP) —morto em 2010— que parte da
propina arrecadada em contratos de uma diretoria da Furnas seria dividida com
Aécio. Após analisar o conteúdo do depoimento do delator, a
Procuradoria-Geral da República optou por não incluir o senador entre
os investigados por considerar que faltavam evidências contra ele.
Posteriormente o lobista Fernando Moura, amigo do ex-ministro José Dirceu e
ligado ao PT, disse perante o juiz federal Sérgio Moro
que Furnas era
controlada pelo tucano e operava com um esquema de propinas semelhante ao da Petrobras.
“É um terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio“, disse Moura.
Instado a explicar a afirmação, o lobista disse que o núcleo de São Paulo seria
o PT estadual e o grupo político de Dirceu,
enquanto que o núcleo nacional seria o diretório nacional da legenda. Ainda
segundo o delator, a indicação de Dimas Toledo para direção da estatal do setor
elétrico teria sido feita pelo senador tucano, pouco depois da eleição de Lula
em 2002.
“O Dimas na oportunidade me colocou que, da mesma forma
que eu coloquei o caso da Petrobras, em Furnas era igual. Ele falou: ‘Vocês não
precisam nem aparecer aqui, vocês vão ficar um terço São Paulo, um terço
nacional e um terço Aécio”, relatou o lobista ao magistrado. O delator chegou a
ser ameaçado com a perda dos benefícios de seu acordo com a Justiça, uma vez
que mudou um de seus depoimentos envolvendo Dirceu –o
que o fez voltar atrás e incriminar novamente o ex-ministro de Lula de ter lhe
recomendado que deixasse o país na época das denúncias do mensalão. Aécio negou
qualquer envolvimento no caso, e disse que é uma tentativa do Governo de
colocar no colo da oposição um escândalo que é “do PT“.
Em março de 2012 o juiz federal Roberto Dantes de Paula
remeteu o processo para a Justiça Estadual do Rio de Janeiro, onde ele voltou à
etapa de inquérito –investigação preliminar. À época a procuradoria da
República já havia denunciado 11 pessoas por envolvimento no esquema, entre
elas o ex-diretor da empresa Dimas Toledo. Até o momento, quase quatro anos
após a mudança de foro do processo, a Polícia não apresentou suas conclusões
sobre o caso para que o Ministério Público possa oferecer nova denúncia. A
reportagem não conseguiu falar com a delegada Renata Araújo dos Santos, da
Delegacia Fazendária do Rio, responsável pela investigação.
Cartel de trens e metrô
O outro escândalo tucano é ainda mais antigo que a lista
de Furnas. Batizado de trensalão,
trata-se de um esquema de pagamentos de propina e formação de cartel para
disputar licitações do Metrô e da CPTM no Estado de São Paulo. Os primeiros indícios
de corrupção do caso surgiram em 1997, durante o Governo do
tucano Mário Covas, morto em 2001. À época a Polícia
Federal indiciou 10 pessoas ligadas à gestão do governador. Dez
anos depois, supostas propinas pagas pela empresa Alstom começam a ser
investigadas em vários países, e em 2008 um funcionário da Siemens detalha o
esquema de propinas em projetos do Metrô e da CPTM de São Paulo e do Metrô do
Distrito Federal. Posteriormente, a Siemens decidiu procurar o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica para delatar a existência do cartel. Mais de
uma dezena de processos do caso tramitam na Justiça, a maioria deles
relacionados a contratos superfaturados para reforma e manutenção de trens. O
período no qual o cartel agia abrange os Governos dos tucanos Mário Covas, Geraldo
Alckmin, e José Serra,
além de Claudio Lembo, que à época era do PFL (atual
DEM). Nas estimativas do MP, o esquema pode ter dado prejuízos de
mais de 800 milhões de reais aos cofres públicos.
Até o momento, apenas executivos das empresas envolvidas
foram denunciados, nenhum político com foro privilegiado responde na Justiça
pelo caso. Alckmin afirma
que o Estado foi a grande vítima do caso: “O Governo do Estado entrou com uma
ação contra todas as empresas, inclusive exigindo indenização do erário público”.
Já Serra garante que durante sua gestão o preço dos serviços
contratados baixou: “Nós fizemos uma luta anticartel, para pagar 200 milhões de
reais a menos”.
A tramitação dos processos, no entanto, não ocorre sem
entreveros. Uma das denúncias do MP contra o ex-executivo da Siemens Marco
Missawa foi arquivada pelo juiz Rodolfo Pellizari. Especialistas consultados
pelo EL PAÍS afirmam que é bastante raro que o juiz peça o
arquivamento de uma denúncia robusta do Ministério Público. No final de 2015 o
Ministério Público recorreu da decisão, e o Tribunal de Justiça de São Paulo
determinou em dezembro passado que o magistrado aceite a denúncia: “Da mesma
forma como não se aceita condenação precipitada, desrespeitando-se os
princípios do contraditório e da ampla defesa, também não se aceita decisão
prematura“, disseram os juízes.
O promotor Marcelo Mendroni, responsável pelo processo,
questiona a isenção deste juiz para julgar um caso que ele já mandou arquivar.
“Fica difícil não dizer que haverá uma certa suspeição, uma vez que o juiz
achava que a evidência não era suficiente nem para aceitar a denúncia,
dificilmente vai achar suficiente para condenar”, afirma. “Mas não há o que
fazer”. Mendroni diz também que não é possível comparar as investigações do cartel de
trens em São Paulo com a Lava Jato, uma vez que as operação que apura corrupção na Petrobras conta
com uma força-tarefa com vários promotores: “Aqui nós vamos nos desdobrando“. O
promotor acredita que ainda neste semestre terá início o julgamento.
Em fevereiro de 2015 o Supremo
Tribunal Federal arquivou um pedido para investigar o deputado
federal Rodrigo Garcia (DEM-SP) e o ex-deputado federal José Aníbal
(PSDB-SP), que haviam sido citados por um executivo da Siemens como
beneficiários de propinas no esquema de fraudes dotrensalão.
Até o momento ninguém foi condenado no caso.
Mensalão tucano
A figura mais emblemática da suposta impunidade tucana é o ex-governador
de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB). Ele foi condenado em
dezembro de 2015 a 20 anos e dez meses de prisão em regime fechado por peculato
e lavagem de dinheiro no caso conhecido como mensalão
tucano, ocorrido há 17 anos. Os crimes, supostamente ocorridos em
1998, foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República apenas em 2007. No
ano passado, após a PGR pedir pena de 22 anos para o então deputado federal, ele
renunciou ao mandato. Com isso, ele perdeu o foro privilegiado mas ganhou
tempo, pois o julgamento do seu caso voltou para a Justiça comum, em primeira
instância. Entre o Supremo Tribunal Federal – que o julgaria se mantivesse o
foro – enviar o processo de volta à Vara correspondente e a juíza Melissa
Pinheiro Costa Lage emitir sua decisão nesta quarta, se passaram 21 meses. Como
a decisão foi de primeira instância, ele poderá aguardar a tramitação de seus
recursos em liberdade, e existe a expectativa de que os crimes atribuídos a ele
tenham prescrito antes de acabarem os recursos. Neste caso, Azeredo não chegará a cumprir pena alguma.
À época da remessa dos autos do STF para
a Justiça comum, o então presidente da Corte, Joaquim
Barbosa, criticou a manobra do tucano: “O processo tramita aqui há
nove anos […]. Só de abertura da ação penal vamos para mais de quatro anos. Não
parece bom para o tribunal permitir essa valsa processual, esse vai e volta”. A
demora da Justiça em condenar os responsáveis pelo mensalão
tucanonão passou despercebida pela juíza. “Triste se pensar que,
talvez toda essa situação, bem como todos os crimes de peculato, corrupção e
lavagem de dinheiro, tanto do presente feito, quanto do mensalão do PT, pudessem ter sido evitados se os fatos aqui
tratados tivessem sido a fundo investigados quando da denúncia formalizada pela
coligação adversária perante a Justiça Eleitoral“.
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