A política para mim é isso: não se trata de
teorias e palavras bonitas soltas em grandes livros ou puramente debates
intelectuais. Se trata de escolher se iremos contribuir para que uma senhora
coloque ou não um pão a mais na mesa para seus filhos, para que tenhamos
profissionais de qualidade no SUS, para que os professores sejam valorizados ...
Capa da Veja em 1998 |
Aliado a isso,
minha infância toda foi recheada das histórias da infância de meu pai, que
ainda criança, por imperícia médica - vejam as ironias da vida: cá estou eu
tentando ser médico hoje - virou órfão de mãe e foi obrigado a sair de casa
para tentar sobreviver para não morrer de miséria e que, na única oportunidade
em que teve dinheiro para comprar um presente de dia das mães para a sua
própria, comprou uma caixa de sabão em pó, porque era a única coisa viável.
Vejo ainda hoje em meu pai a criança que foi engraxate, trabalhou na mineração
que mata dezenas de silicose e também foi retirante em São Paulo.
A capa da Veja que
ilustra esse textão também mexe comigo. Da época em que na casa de meus pais
ainda se assinava essa revista. Ela mexe comigo porque eu já estive nessa casa.
Cresci passando minhas férias em casas como essas. Até hoje, se eu quiser
sentar em um fogão como esse, basta eu visitar a mãe de minha mãe e qualquer
uma das pessoas que vive no povoado onde ela reside ainda hoje - Vereda do
Jacaré ou Curralinho. Também eu sou filho desse Nordeste que sofreu e passa
fome, como meus pais, tios e avós passaram e sobreviveram.
Apesar da formação
em ciências sociais, essas foram minhas principais aulas de política - elas me
ensinaram de que lado da trincheira estou e por onde devo caminhar.
Obviamente, a vida
é muito mais simples para mim e meus irmãos, não vivenciei a pobreza que eu sei
que existe no mundo, nem nunca precisei fazer grandes sacrifícios para alcançar
o que eu sei que é o objetivo de vida de muita gente que sonha viver com metade
do conforto que vivo. Mas lembrar dessas situações e saber que elas existem e
persistem me fazem compreender toda a existência humana como política.
A política, para
além da disputa PSDB e PT, está ligada à vida de milhões de pessoas. Disputar a
política é contribuir para que pessoas tenham ou não acesso a três refeições na
mesa, um teto em sua cabeça e o mínimo de terra para plantar e viver. Se trata
de contribuir para que crianças possam ir para a escola (com educação pública,
laica e de qualidade) e não precisem se submeter à mendicância ou a trabalhos
escravos e degradantes para que não morram de fome, no sentido mais literal da
expressão. A política define os rumos das populações indígenas, dizimadas há
516 anos, e se elas conseguirão continuar existindo. Se negar a participar da
vida política é negar os direitos, o respeito e a própria vida às mulheres, aos
negros e às LGBT. Fazer de conta que nada está acontecendo hoje no Brasil é
fechar os olhos a um ataque direto à nossa tão frágil e ainda tão jovem
democracia.
Lembro que, no
meio do processo de escrita da minha monografia em 2013, eu estava numa
ocupação na prefeitura de Petrolina contra o aumento das tarifas de ônibus da
cidade e uma senhora de parou e agradeceu falando "meu filho, obrigada por
isso que vocês estão fazendo. Graças a vocês poderei colocar um pão a mais na mesa
para meus filhos."
A política para
mim é isso: não se trata de teorias e palavras bonitas soltas em grandes livros
ou puramente debates intelectuais. Se trata de escolher se iremos contribuir
para que uma senhora coloque ou não um pão a mais na mesa para seus filhos,
para que tenhamos profissionais de qualidade no SUS, para que os professores
sejam valorizados e essa lista poderia seguir por parágrafos... É preciso
alterar a realidade na qual estamos inseridos e estamos todos, sem exceção, de
um dos lados do muro. Não escolher já significa fazer uma opção.
Fato é que a essa
responsabilidade jamais irei me furtar, como já bem disse Thiago de Mello:
"Não se trata de escolher entre cegueira e traição. Mas entre ver e fazer
de conta que nada vi ou dizer da dor que vejo para ajudá-la a ter fim, já faz
tempo que escolhi.".
Com o final do
semestre eu me arranjo e me entendo (e já tô indo estudar!).
Texto de Marcel Luiz estudante de medicina