Um grupo de artistas brasileiros enviou nesta sexta-feira
(13) uma carta aberta ao presidente interino Michel Temer contestando a decisão
de seu governo em unir os ministérios da Educação e da Cultura, comandado pelo
deputado federal José Mendonça Filho (DEM-PE).
O documento é assinado pela Associação Procure Saber —
formada por músicos como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan —
e pelo Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP) — Sérgio Ricardo, Ivan Lins,
Leoni, Frejat, Fernanda Abreu e Tim Rescala, entre outros artistas.
No texto, os artistas classificam a fusão dos dois
ministérios como “um grande retrocesso”, que gerará uma economia “pífia” e “não
justifica o enorme prejuízo que causará para todos que são atendidos no país
por políticas culturais”.
Eles ressaltam a importância do ministério da cultura
para a preservação do patrimônio cultural brasileiro e alertam que a pasta não
pode se tornar um “balcão de negócios”. “As críticas irresponsáveis feitas à
Lei Rouanet não levam em consideração que, com os mecanismos por ela criados,
as artes regionais floresceram e conquistaram espaços a que antes não tinham
acesso”, escrevem.
Até o momento, o ministro Mendonça Filho ainda não deu
maiores detalhes de como vai organizar a Cultura e a Educação em um único
ministério.
Leia
a íntegra da carta:
“Exmo. Sr. Michel Temer
Prezado senhor,
Entre as grandes conquistas da identidade
democrática Brasileira está a criação do Ministério da Cultura, em março de
1985, pelo então Presidente José Sarney.
É inegável que, nessa ocasião, o nome do
Brasil já havia sido projetado internacionalmente através do talento de
Portinari, de Oscar Niemeyer, de Anita Malfati, de Jorge Amado, da música de
Ary Barroso, Dorival Caymmi, Carmen Miranda, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, do
cinema de Glauber Rocha e Cacá Diegues. Desta forma, a existência do Ministério
da Cultura se deve ao merecido reconhecimento do extraordinário papel que as
artes brasileiras desempenharam na divulgação de um país jovem, dinâmico,
acolhedor e criativo.
A extinção desse Ministério em abril de 1990
foi um dos primeiros atos do governo Collor de Mello. Abrigada em uma
Secretaria vinculada à Presidência da República, a cultura nacional assistiu ao
sucateamento de ideias, projetos e realizações no campo das artes. Já no final
de seu governo, tentando reconquistar o apoio político perdido, o Presidente
Collor adotou outra postura, nomeando para a Secretaria de Cultura o
intelectual e embaixador Sergio Paulo Rouanet, encarregado de restabelecer o diálogo
com a classe artística. Nasceu assim o Pronac – Programa Nacional de Apoio à
Cultura, que se tornou o elemento estruturante da política c ultural dos
governos subsequentes, e a denominada Lei Rouanet. Felizmente o Presidente
Itamar Franco, em novembro de 1992, devolveu aos criadores um Ministério que já
havia comprovado o acerto de sua presença no cenário nacional.
A partir de 1999, durante o governo do
Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministério da Cultura foi reorganizado
e sua estrutura ampliada, para que pudesse servir a projetos importantes, em
especial nas áreas de teatro e cinema. Desde então o MinC vem se ocupando, de
forma proativa, das artes em geral, do folclore, do patrimônio histórico,
arqueológico, artístico e cultural do País, através de uma rede de institutos
como o IPHAN, a Cinemateca Brasileira, a Funarte, o IBRAM, Fundação Palmares
entre muitos outros. A partir da gestão de Gilberto Gil, o MinC ampliou o
alcance de sua atuação a partir da adoção do conceito antropológico de cultura.
O Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura são iniciativas reconhecidas e
copiadas em inúmeros países do mundo. O MinC passou a atuar também com a
cultura popular e de grupos marginalizados, ampliando os horizontes de uma
parcela expressiva de nossa população. Foi o MinC que conseguiu criar condições
para que tenhamos hoje uma indústria do audiovisual dinâmica e superavitária. O
mesmo está sendo feito agora com outros campos, como por exemplo o da música. O
MinC conta hoje com vários colegiados setoriais que cobrem praticamente quase
todas as áreas artísticas bem como grupos étnicos e minorias culturais do país.
E com um Conselho Nacional de Políticas Culturais, formado pela sociedade civil
e responsável pelo controle social da gestão do Ministério. Há ainda que se
mencionar o Plano Nacional de Cultura e inúmeras outras iniciativas com amparo
no texto constitucional e em leis aprovadas pelo Congresso Nacional, cuja
inobservância ou descontinuidade poderão ensejar questionamentos na esfera
judicial. O MinC também protagonizou várias iniciativas que se tornaram
referência no ordenamento jurídico internacional, como as Convenções da Unesco
sobre Diversidade Cultural e de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, dentre
outros.
A Cultura de um País, além de sua identidade,
é a sua alma. O Ministério da Cultura não é um balcão de negócios. As críticas
irresponsáveis feitas à Lei Rouanet não levam em consideração que, com os
mecanismos por ela criados, as artes regionais floresceram e conquistaram
espaços a que antes não tinham acesso.
A Cultura é a criação do futuro e a
preservação do passado. Sem a promoção e a proteção da nossa Cultura, através
de um ministério que com ela se identifique e a ela se dedique, o Brasil
fechará as cortinas de um grandioso palco aberto para o mundo. Se o MinC perde
seu status e fica submetido a um ministério que tem outra centralidade, que,
aliás, não é fácil de ser atendida, corre-se o risco de jogar fora toda uma
expertise que se desenvolveu nele a respeito de, entre outras coisas, regulação
de direito autoral, legislação sobre vários aspectos da internet (com o
reconhecimento e o respeito de organismos internacionais especializados),
proteção de patrimônio e apoio às manifestações populares.
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É por tudo isso que o anunciado
desaparecimento do Ministério da Cultura sob seu comando, já como Chefe da
Nação, é considerado pela classe artística como um grande retrocesso. O
Ministério da Cultura é o principal meio pelo qual se pode desenvolver uma
situação de tolerância e de respeito às diferenças, algo fundamental para o
momento que o país atravessa. A economia que supostamente se conseguiria
extinguindo a estrutura do Ministério da Cultura, ou encolhendo-o a uma
secretaria do MEC é pífia e não justifica o enorme prejuízo que causará para
todos que são atendidos no país pelas políticas culturais do Ministério. Além
disso, mediante políticas adequadas, a cultura brasileira está destinada a ser
uma fonte permanente de desenvolvimento e de riquezas econômicas para o País.
Nós, que fazemos da nossa a alma desse País,
desejamos que o Brasil saiba redimensionar sua imensa capacidade de gerar
recursos para educação, saúde, segurança e para todos os projetos sociais e
econômicos necessários ao crescimento da nação sem que se sacrifique um dos
seus maiores patrimônios: a nossa Cultura.
Fontes:
BRASIL 247
Congresso em foco
Adaptação de texto: Cicero Do Carmo