Das 741
ocorrências envolvendo balas perdidas na América Latina e Caribe, 197 foram no
Brasil, resultando em 98 mortos e 115 feridos
Publicado em: 05/08/2016 07:21 Atualizado em:
O Brasil é o país
com maior número de mortes por balas perdidas entre os países da América Latina
e Caribe durante os anos de 2014 e 2015, segundo relatório do Centro Regional das
Nações Unidas para a Paz, Desarmamento e Desenvolvimento na América Latina e
Caribe (Unlirec, sigla em inglês), órgão da Organização das Nações Unidas
(ONU). Os dados foram contabilizados a partir de casos divulgados pelos meios
de comunicação em 27 países.
O ranking
internacional mostrou que, das 741 ocorrências envolvendo balas perdidas na
América Latina e Caribe, 197 foram no Brasil, resultando em 98 mortos e 115
feridos. No segundo lugar, está o México com 116 casos (55 mortos e 77
feridos), seguido da Colômbia com 101 ocorrências (40 mortos e 74 feridos). No
total, na América Latina e Caribe foram registrados 455 feridos e 371 mortos
por bala perdida.
Explicações
De acordo com a
entidade, essa situação é consequência da proliferação de armas pequenas e de
munições, combinadas com uma série de variáveis institucionais, sociais e
econômicas, que tem dado lugar a níveis inaceitáveis de violência armada na
região.
“Esse estudo dá
alguns diagnósticos importantes, porque, em muitos casos, o discurso das
autoridades, principalmente aqui no Brasil, é de como se a bala perdida fosse
uma coisa que não tem o que se fazer para evitar”, diz Bruno Langeani,
coordenador da área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou
da Paz. Segundo ele, a pesquisa mostra que, conhecendo um pouco mais sobre como
esses fenômenos acontecem e quem eles vitimam, é possível propor soluções.
O especialista diz
que é importante comparar os países e apresentar o contexto em que as balas
perdidas acontecem. “[Aqui] você tem uma importância grande das operações da
polícia em favela, que é algo que está bastante em voga com a questão das
Olimpíadas no Rio de Janeiro. A própria escolha de qual arma de fogo você
compra para as polícias interfere na quantidade de casos de balas perdidas”,
disse, ao explicar que armas de alto calibre tem maior potencial de atravessar
obstáculos e atingir pessoas que não estão envolvidas na operação policial.
Motivação
Há um grande
número de casos classificados como motivação não identificada (31%) sobre o
tipo de violência relacionado aos casos de balas perdidas na América Latina e
Caribe, pois, no momento da notícia e do registro, não se tem, muitas vezes,
elementos ou pistas que ajudem na identificação. Logo em seguida no ranking,
aparece a violência de gangues com 15% dos casos, seguida por criminalidade
organizada, com 14%, e crimes comuns ou roubos armados, com 12%. A violência
social ou interpessoal foi a causa de 10% dos casos e, em 9%, foi identificada
a prática de disparar para o alto em comemorações ou advertências, segundo a
pesquisa.
Brasil
No Brasil, 30% dos
casos tem motivação não identificada. No restante, as três maiores causas são:
crime organizado, com 24%, e violência de gangues e roubos, que ficaram
empatados com 16% cada. Os casos de intervenção legal, ou seja, por parte do
estado, ficaram em terceiro lugar, com 7%. No entanto, esse número corresponde
às ocorrências de intervenção legal isoladas, ou seja, sem nenhum vínculo com
algum crime, devido à falta de especificação nas notícias divulgadas. As
ocorrências que envolvem intervenção legal contra alguma atividade ilícita,
como o roubo ou o crime organizado, é de 19% do total dos casos de balas
perdidas. Na média geral dos países, as intervenções legais isoladas é
3%, enquanto aquelas combinadas com algum crime, é 11%.
O relatório do
Unlirec informa que quase metade de todos os casos de incidentes relacionados à
chamada intervenção legal combinada na região ocorreram do Brasil. O total de
intervenções relacionadas a algum crime, em todos os países da América Latina e
no Caribe pesquisados, resultou em 83 vítimas. No Brasil, esse número foi 37,
representando 44,5% do total. O documento destacou os incidentes de balas
perdidas no processo de pacificação em favelas, geralmente caracterizadas por
confrontos entre a polícia militar e o crime organizado, mantendo uma tendência
observada anteriormente.
Método de pesquisa
Para Langeani, o
fato de os dados serem coletados de notícias veiculadas por meios de
comunicação em cada país pode influenciar o resultado na comparação com países
menores, como El Salvador. Ele destaca que diversos países, como México,
Colômbia e Argentina, tem uma imprensa forte e ampla e, mesmo assim,
apresentaram números menores que os do Brasil.
“Se não fosse
feito através das notícias, não haveria outra forma de documentar. Mesmo no
Brasil, não tem no registro de B.O. [boletim de ocorrência], uma categoria
'bala perdida'. Então o estudo foi feito com base nas notícias por falta de um
outro meio mais adequado”, disse. Segundo Langeani, o fato de o Brasil estar no
topo do ranking não é uma surpresa, pois o país tem 60 mil homicídios por ano,
o que é considerado um número alto. “[Com] essa quantidade de violência armada,
obviamente, você vai ter essa questão dos danos colaterais, que são as balas
perdidas”.
Soluções
Langeani diz que,
entre as soluções, a mais geral tem a ver com o trabalho específico das
polícias para retirar armas ilegais de circulação. Para ele, esse ponto seria
uma das soluções para todos os países e influenciaria diretamente no problema.
Em relação aos
casos em decorrência de intervenção policial, o coordenador do Instituto Sou da
Paz diz ser necessário discutir os protocolos de atuação da polícia e a escolha
do armamento das corporações. “Todas essas escolhas interferem na questão da
bala perdida. Se você escolhe uma arma que é inadequada para o policiamento,
ela pode gerar mais danos para civis”, disse.
De acordo com
Langeani, a troca do armamento mais adequada seria por carabinas, porque seus
disparos atingem uma distância menor e a arma não dá o chamado tiro de rajada,
que, segundo ele, é um tiro que o policial perde um pouco do controle do alvo no
qual está atirando, o que aumenta a possibilidade de vitimar civis.