O Brasil teve “retrocessos
extremamente preocupantes” na proteção dos direitos dos povos indígenas nos
últimos oito anos, uma tendência que continuará a se agravar caso o país não
tome medidas imediatas como proteger a segurança de líderes indígenas, concluir
investigações sobre assassinatos e redobrar os esforços para superar o impasse
relativo a demarcações de terras, segundo a relatora especial da ONU sobre o
tema, Victoria Tauli-Corpuz.
O Brasil teve “retrocessos extremamente preocupantes” na
proteção dos direitos indígenas nos últimos oito anos, uma tendência que
continuará a se agravar caso o país não tome medidas imediatas como a proteção
de lideranças indígenas, investigações sobre assassinatos e esforços para
superar o impasse nas demarcações de terras, disse a relatora especial da ONU
sobre o tema, Victoria Tauli-Corpuz.
A especialista fez uma visita de dez dias ao país em março
a convite do governo brasileiro para identificar os principais problemas
enfrentados pelos povos indígenas no Brasil e acompanhar o cumprimento das
recomendações feitas em 2008 por seu predecessor James Anaya.
“Em termos gerais, minha primeira impressão (…) é de que
o Brasil possui uma série de disposições constitucionais exemplares em relação
aos direitos dos povos indígenas”, declarou a relatora. “Entretanto, nos oito
anos que se seguiram à visita de meu predecessor, há uma inquietante ausência
de avanços na solução de antigas questões”, disse, completando que “houve
retrocessos extremamente preocupantes” na proteção dos direitos dos povos
indígenas, uma tendência que continuará a se agravar caso não sejam tomadas
medidas para revertê-la.
Entre os principais desafios enfrentados pelos índios
brasileiros está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2015 elaborada na
Câmara dos Deputados que transfere do Executivo para o Legislativo a palavra
final sobre a demarcação de terras, o que segundo a relatora da ONU “solapa os
direitos dos povos indígenas a terras, territórios e recursos”.
Ela ainda criticou a interrupção dos processos de
demarcação, incluindo 20 terras indígenas pendentes de homologação pela
Presidência da República; a incapacidade de proteger as terras indígenas contra
atividades ilegais; os despejos em curso; os efeitos negativos dos megaprojetos
em territórios indígenas ou perto deles; e a violência, assassinatos, ameaças e
intimidações contra os povos indígenas perpetuados pela impunidade.
Outros pontos citados foram a falta de consulta sobre
políticas, leis e projetos que têm impacto sobre os direitos dos índios, assim
como a prestação inadequada de cuidados à saúde, educação e serviços sociais.
“Assim sendo, os riscos enfrentados pelos povos indígenas estão mais presentes
do que nunca desde a adoção da Constituição de 1988.”
A relatora disse preocupar-se, sobretudo, com a
apresentação distorcida da mídia, que retrata os povos indígenas como detentores
de grandes extensões de terra em comparação com suas populações, quando na
verdade é o setor do agronegócio que detém um percentual desproporcional do
território brasileiro.
“Mesmo onde os povos indígenas possuem terras demarcadas
na região amazônica, eles não desfrutam do efetivo controle sobre seus recursos
devido às crescentes invasões e atividades ilegais, tais como mineração e
extração de madeira”, afirmou.
Represálias, ameaças e assassinatos
Outra questão crítica é a grande quantidade de
ataques documentados e relatados contra povos indígenas. Em 2007, segundo o
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), 92 líderes indígenas foram
assassinados, enquanto em 2014 o número subiu para 138. O Estado de
Mato Grosso do Sul registrou o maior volume de mortes.
“Com frequência, os ataques e assassinatos constituem
represálias em contextos nos quais os povos indígenas reocuparam terras
ancestrais depois de longos períodos de espera da conclusão dos processos de
demarcação”, disse. “Ainda mais alarmante é o fato de que (…)
nenhuma autoridade estatal esteve nas áreas até agora. Condeno enfaticamente
tais ataques e conclamo o governo a pôr um fim a essas violações de direitos
humanos, bem como investigar e processar seus mandantes e autores”.
Grandes projetos
De acordo com a relatora, mesmo em contextos nos quais a
violência física direta não foi relatada por povos indígenas, eles enfrentam
ameaças profundas à sua existência. “Isso deriva de ações e omissões do Estado
e de atores privados no contexto de projetos de desenvolvimento impostos aos
povos indígenas sem qualquer consulta ou tentativa de obter seu consentimento
prévio, livre e informado”, disse.
Entre os principais problemas, está a não
implementação das condicionantes e das medidas mitigatórias necessárias em
relação ao projeto da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, como o
fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no local, a demarcação da
terra indígena Cachoeira Seca, bem como a regularização e plena proteção das
terras indígenas Apyterewa e Paquiçamba, entre outros pontos.
Recomendações
Entre as recomendações, a relatora pediu medidas
imediatas para proteger a segurança dos líderes indígenas e concluir as
investigações sobre os assassinatos, esforços para superar o impasse atual no
que se refere a demarcações de terras, além da necessidade de rever os cortes
propostos ao orçamento da FUNAI.
“Diálogos devem ser iniciados com povos indígenas em
relação à possível realização de um Inquérito Nacional para sondar alegações de
violações de seus direitos, promover conscientização e oferecer reparação para
violações de direitos humanos”, recomendou.
O relatório da visita será submetido em setembro ao
Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Fonte: ONUBR
nacoesunidas.org