O exército da
Venezuela poderá usar armas de fogo para controlar manifestações e reuniões
públicas. Foi o que aprovou o Governo de Nicolás Maduro em uma resolução assinada pelo ministro
da Defesa, Vladimir Padrino López, e publicada no Diário Oficial na
quarta-feira passada, cuja entrada em vigor deve ser imediata.
O texto afirma
que o uso proporcional da força será aplicado conforme um “manual de normas e
procedimentos operacionais” que estará pronto em três meses e que servirá como
base para treinamentos e instrução. Rocío Sanmiguel, presidenta da organização Control
Ciudadano, que vigia as Forças Armadas, qualificou a decisão de precipitada
e inconstitucional. “Os aspectos positivos que [a resolução] inclui se tornam
turvos diante do uso mortal da força”, escreveu, em seu Twitter.
A resolução, que não distingue manifestações pacíficas de violentas, vai
de encontro a dois artigos da Constituição venezuelana. O principal é o artigo
68, que diz respeito aos direitos políticos, e que diz textualmente: “Fica
proibido o uso de armas de fogo e substâncias tóxicas no controle de manifestações
pacíficas. A lei regulamentará a atuação dos corpos policiais e de segurança no
controle da ordem pública”.
Outro dos pontos
polêmicos é se a normativa viola o artigo 329, que delimita as funções e
responsabilidades de cada corpo de segurança. A resolução abrange toda a Força
Armada Nacional Bolivariana (FANB) —Exército, Aviação, Armada, Guarda Nacional
e Milícias bolivarianas—, mas só a Guarda Nacional tem competência para manter
a ordem pública, e isso no caso de a polícia não estar em condições de fazê-lo.
“O que o Governo
demonstra é medo de que alguma coisa aconteça na rua”, diz o deputado da
oposição Stalin González, integrante da comissão de Defesa e Segurança do
Parlamento. Na quarta-feira, houve uma reunião da comissão, mas segundo
González, o tema não estava na agenda. “Soubemos quando foi publicada.”
Organizações de
direitos humanos também destacam que a resolução contradiz o disposto na
sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado
venezuelano pelo grande protesto de 1989, quando o Executivo colocou em ação o
Plano Ávila, jogando o Exército nas ruas para restaurar a ordem.
Para além das
considerações legais e constitucionais, a decisão causou alarme entre os venezuelanos,
que recordam que no ano passado, mais ou menos na mesma data, começou a onda de
protestos contra o Governo de Nicolás Maduro, que deixou um saldo de 43 mortos e centenas de feridos.
“Essa resolução
está legitimando a militarização da ordem pública”, diz Inti Rodríguez,
pesquisador do Provea, uma das ONGs do país que vê com preocupação a crescente
onda de criminalização e repressão dos protestos desde que Maduro assumiu a
presidência. Entre as medidas adotadas, as mais polêmicas são a de exigir uma
autorização prévia para organizar qualquer passeata e a de declarar “ilegais”
as manifestações em certos municípios, sob a alegação de que atos violentos podem
acontecer.
O que o Governo demonstra é medo de que alguma coisa aconteça na rua”,
diz o deputado da oposição Stalin González
Em paralelo, o
Governo foi criando forças adicionais como as milícias operárias, comandos antigolpe e brigadas especiais, que militarizam ainda
mais a sociedade civil e promovem uma resposta de choque a qualquer conflito
que possa surgir, em vista da deterioração econômica e do descontentamento pela alta
inflação, a escassez de alimentos e os serviços públicos
deficientes que levaram os venezuelanos a se manifestar em mais de 5.400
ocasiões em diferentes partes do país, apenas em 2014, segundo a ONG Provea. O
Observatório de Agitação Social registrou 9.286 protestos, que correspondem a
26 dias durante o mesmo período, a metade deles contra o Governo de Maduro.
A resolução é
considerada uma resposta também aos recentes protestos estudantis ocorridos nos
últimos dias em Maracaibo, Mérida e San Cristóbal. Na capital, Caracas, a
oposição convocou no último sábado uma marcha das Panelas Vazias, mas houve
pouca adesão, e no fim houve apenas distúrbios menores.
Por: Catalina
Lobo-Guerrero Caracas
Fonte: El País
Titulo adaptado por Cicero do Carmo