O processo histórico de subfinanciamento do SUS foi agravado com a aprovação da Emenda Constitucional nº 86/2015 pelo Congresso Nacional e com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016, ambas pelo Congresso Nacional a partir de iniciativas do Poder Executivo.
A Emenda Constitucional nº 86/2015 estabeleceu uma nova regra de apuração da aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde pelo governo federal, em substituição a Emenda Constitucional nº 29/2000: a vinculação à receita corrente líquida de forma escalonada – iniciando com 13,2% em 2016 até atingir 15,0% em 2020. Com isso, os valores mínimos de 2016, 2017 e 2018 seriam menores, em termos percentuais da receita corrente líquida, da efetiva aplicação de 2014 (14,3%) e 2015 (14,8%).
Além disso, a EC 86/2015 estabeleceu a execução orçamentária obrigatória das emendas parlamentares individuais correspondente a 1,2% da receita corrente líquida, sendo a metade (0,6%) para despesas com ações e serviços públicos de saúde (que integrariam a aplicação mínima obrigatória, aumentando de R$ 1,0 bilhão – média de 2009-2013 – para cerca de R$ 4,5 bilhões o valor dessas despesas), bem como retirou a condição de recurso adicional ao mínimo dos valores a serem distribuídos dos royalties do Pré-Sal.
Porém, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016, que estabeleceu um “teto” para as despesas primárias (que serão corrigidas anualmente no máximo pela variação do IPCA/IBGE) para o período 2017-2036, o Congresso Nacional revogou a regra de apuração (vinculada à receita corrente líquida) da aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde da Emenda Constitucional nº 86/2015: a nova regra será calculada a partir de 2018 e até 2036, tomando por base o valor mínimo de 2017 (que corresponderá a 15% da receita corrente líquida) corrigido pela variação anual do IPCA/IBGE.
Considerando que somente as despesas primárias passaram a ter um “teto” constitucional, a EC 95/2016 será responsável pela redução ano após ano das despesas per capita com ações e serviços públicos de saúde (afinal, “esqueceram” de propor um dispositivo para impedir que haja nascimentos de pessoas em número superior ao de mortes nos próximos 20 anos).
Consequentemente, assim como em outras áreas sociais, haverá deslocamento de recursos dessas áreas para pagamento dos juros e amortização da dívida pública. A nossa estimativa inicial é que a aplicação federal em saúde pública cairá de 1,7% do PIB para menos de 1,0% do PIB em 2036, com impactos negativos sobre a aplicação estadual e municipal, visto que 2/3 do orçamento do Ministério da Saúde são despesas com as transferências fundo a fundo.
A EC 95/2016 representa o mais duro golpe – na história recente do Brasil – contra o financiamento das políticas sociais, em particular da seguridade social e, dentro dela, do Sistema Único de Saúde (SUS). O histórico processo de subfinanciamento do SUS será agravado pelo desfinanciamento consolidado decorrente da redução dessas despesas federais em relação ao PIB, exatamente quando seria preciso aumentar a participação do Ministério da Saúde nesse financiamento diante da grave restrição orçamentária e financeira porque passam os Estados, Distrito Federal e Municípios após dois anos de grave recessão econômica (2015 e 2016), sendo que esta última esfera de governo tem alocado em média 24% de seus recursos próprios para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde (muito acima do mínimo de 15% legalmente estabelecido).
Considerando os parâmetros internacionais, países com sistemas de saúde pública semelhantes ao do SUS alocam 6% do PIB no mínimo, enquanto no Brasil a aplicação consolidada (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em ações e serviços públicos de saúde correspondem a 3,9% do PIB. Em outros termos, com a EC 95/2016, essa diferença aumentará ainda mais como consequência do desfinanciamento federal e diante da impossibilidade das demais esferas de governo alocarem recursos adicionais para compensar a queda que virá com o “teto” de recursos orçamentários para o Ministério da Saúde.
Apesar da EC 95/2016 estabelecer que o início desse “teto” para o SUS será em 2018 (com o valor mínimo de 2017 corrigido tão somente pela variação do IPCA), a insuficiência de recursos para o financiamento do SUS pode ser observada também em 2017, quando da comparação com os valores aplicados em anos anteriores, como está ilustrada na Tabela 1.
A Tabela 1 apresenta os parâmetros de comparação da alocação orçamentária para as despesas com ações e serviços públicos de saúde em 2017 em comparação com os valores empenhados em 2014, 2015 e 2016, bem como em termos de aplicação como percentual da receita corrente líquida e do PIB: é possível constatar que, em termos reais, os valores orçamentários totais de 2017 são maiores que os dos anos anteriores, revertendo uma tendência de queda verificada em 2015 e 2016.
Porém, em termos reais per capita, os valores de 2017 recuperam a situação de 2015 (queda de apenas 0,26%), mas ficando abaixo do valor de 2014 em 1,11% e acima do de 2016 (2,58%). Enquanto percentual da receita corrente líquida, a alocação orçamentária de 2017 (15,2%) é maior que a aplicação de 2014, 2015 e 2016; em termos de percentual do PIB, há semelhança entre as cifras de 2017 (1,70%) e 2016 (1,72%), que expressam também a média anual observada a partir da vigência da Emenda Constitucional nº 29/2000.
***Economista/Mestre em Economia Política pela PUC-SP/Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde-CNS e Diretor da Associação Brasileira de Economia da Saúde-ABrES. No dia 2 de março participará do debate sobre o tema “Sus em desmonte”. Será às 19h, ao vivo pelo Facebook na página do Saúde Popular.
Fonte; Saúde Popular