Em reunião com lideranças de
povos indígenas, quilombolas e pescadores e pescadoras artesanais na manhã
desta quarta-feira (10), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), afirmou que não pretende colocar a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 215 em votação e comprometeu-se a não prorrogar a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) contra a Funai e do Incra.
A reunião foi parte do acordo
para a desocupação do auditório Nereu Ramos, no anexo II da Câmara, que foi
ocupado na noite de terça (9), ao término da audiência em homenagem ao Dia
Internacional dos Povos Indígenas, por cerca de 200 lideranças e representantes
de povos e comunidades tradicionais.
Parlamentares aliados dos
povos indígenas e o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
(CDHM), Padre João (PT-MG), acompanharam a reunião. Além de cobrarem
a posição do presidente da casa em relação à PEC 215, que pretende inviabilizar
as demarcações de terras indígenas, e à CPI contra a Funai e o Incra, os povos
e comunidades tradicionais entregaram a Maia um documento contendo
reivindicações acerca de projetos que tramitam na Câmara e dizem respeito aos
seus direitos.
“Quando disputei a presidência
da Câmara, eu me comprometi a não pautar projetos polêmicos”, afirmou o
deputado Rodrigo Maia (DEM). “O meu compromisso é ter uma casa com mais
harmonia. Isso também se refere à PEC 215, que tem muita gente que defende, mas
ela certamente gera um ambiente de radicalismo na casa. A minha pretensão
nesses meses, até fevereiro, é que esse projetos não cheguem ao plenário, para que
possamos ter uma pauta consensual”.
CPI sem prorrogação
Outra ação da bancada
ruralista na Câmara dos Deputados que preocupa os povos originários e
comunidades tradicionais é a prorrogação ao infinito da CPI contra a Funai e o
Incra, que já se arrasta por dez meses.
Questionado, o presidente da
Câmara também afirmou às lideranças que não prorrogará nenhuma CPI, pois esta é
uma decisão que cabe ao plenário da casa. “Me comprometi que eu não tomaria
nunca mais uma decisão de prorrogação de CPI sozinho”, disse Maia. “Não haverá,
por parte do presidente, nessa e nas outras CPIs, uma decisão monocrática, que
eu acho que é um poder muito grande e acho que não é o correto. O correto é que
o plenário decida”.
O presidente anterior da
Câmara, Eduardo Cunha, prorrogou a CPI da Funai e do Incra “ad referendum”, ou
seja, sem a decisão do plenário, o que fere o regimento da casa. Além dela,
outras duas comissões parlamentares de inquérito estão chegando ao seu prazo
final e sua prorrogação deve ser colocada em breve na pauta do plenário, onde
os deputados financiados pelas grandes empresas do agronegócio são maioria.
Além de comprometer-se com as
lideranças e assinar o documento que lhe foi entregue com reivindicações,
Rodrigo Maia afirmou que foi importante ouvir o “outro lado”. “Para mim é muito
importante ter essa oportunidade de conhecer melhor a realidade de nosso país,
de conflitos. Quando vocês quiserem, a Casa está aberta para que todos possam
dar a sua opinião, debater e discutir todos os temas de interesse da sociedade
brasileira”, concluiu.
Maia assumiu a presidência da
Câmara após a renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ao cargo, em julho, em mais
uma das manobras do parlamentar para salvar o seu mandato. Em maio, Cunha havia
sido afastado do mandato e da presidência da casa por decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), após sucessivas manobras para evitar o andamento de um
processo contra ele no Conselho de Ética - o qual, em junho, acabou aprovando
um relatório recomendando sua cassação, que ainda aguarda votação do plenário.
Os compromissos assumidos por
Maia com os povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais
devem valer até fevereiro de 2017, quando ocorrerão novas eleições para a
mesa diretora da casa.
Ritual na Câmara
“Hoje esse auditório Nereu
Ramos virou uma cabana de ritual”, afirmou o cacique Nailton Pataxó Hã Hã Hãe,
anunciando a ocupação do auditório no encerramento da audiência promovida pela
Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.
Vindos de Maranhão, Bahia, Rio
Grande do Sul, Pará, Tocantins, entre outros, participaram da audiência
indígenas dos povos Gavião, Krikati, Gamela, Guajajara, Kaingang, Guarani Mbya,
Pataxó Hã Hã Hãe, Macuxi e Tupinambá, quilombolas, pescadores e pescadoras
artesanais e comunidades extrativistas.
Assim que a ocupação foi
anunciada, todos os acessos ao auditório Nereu Ramos foram fechados pela
segurança legislativa. Povos indígenas e comunidades tradicionais ficaram
isolados e até o acesso aos banheiros foi restrito. Apesar da pressão,
indígenas e quilombolas realizaram rituais com cantos, danças e rezas durante
as cerca de três horas que a ocupação durou.
Além do fim da CPI da Funai e
do Incra e da rejeição da PEC 215, os povos manifestaram-se contra o marco
temporal e pela demarcação e titulação de seus territórios tradicionais. Os
indígenas também rejeitam de forma veemente a nomeação de militares para a
presidência da Funai, como vem sendo cogitado pelo governo interino.
Pescadores e pescadoras
artesanais também reivindicam a regularização de seus territórios pesqueiros, o
restabelecimento dos registros de pescadores que foram cancelados recentemente
e o respeito a seus direitos previdenciários.
Em um dia de forte repressão
no Congresso Nacional, os povos indígenas e comunidades tradicionais também
manifestaram sua solidariedade aos movimentos populares que foram barrados e
agredidos na Câmara e no Senado e sua postura em defesa da democracia.
Contra os projetos de morte
No documento entregue ao
presidente da Câmara, os indígenas, quilombolas, pescadores e extrativistas
pedem a rejeição da PEC 215, que pretende transferir a competência das
demarcações e titulações de terras indígenas e quilombolas do Executivo para o
Congresso Nacional. Os povos afirmam que, além de ser inconstitucional, a PEC
“agride frontalmente nosso direito originário sobre as terras que
tradicionalmente ocupamos, pois abre margem para que terceiros possam vir a
explorá-las”.
Os povos ainda afirmam, em seu
documento, que a CPI da Funai e do Incra, na prática, “vem servindo para
estimular, nas mais diversas regiões do Brasil, ações políticas e a prática de
violências contra nossos povos e comunidades”.
Além destas duas questões, os
povos e comunidades tradicionais também manifestaram-se contra a
aprovação do Projeto de Lei (PL) 4059/2012, que tramita em regime de
urgência e pretende avalizar a compra de terras, inclusive as públicas, por
empresas estrangeiras. “Esse projeto constitui-se numa violação à soberania de
nosso país”, afirmam no documento, pedindo a retirada da urgência na tramitação
do PL 4059.
“Os fazendeiros contam a PEC
215”
A audiência pública em
homenagem ao Dia Internacional dos Povos Indígenas realizada pela CDHM no
auditório Nereu Ramos ocupou praticamente toda a manhã e tarde da terça-feira.
À mesa, representantes de povos indígenas, quilombolas, pescadores e extrativistas
revezaram-se falando sobre as diversas situações que enfrentam Brasil adentro.
Esta mesma indignação foi apresentada ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pelas lideranças que participaram da reunião ocorrida na manhã desta quarta (10).
“Eu entrei na liderança em
1975, tenho 70 anos de vida e 41 de liderança e te garanto que o pior tempo que
estou atravessando, dentro de nossas comunidades, na nossa caminhada, é esse de
hoje”, afirmou Nailton Pataxó Hã Hã Hãe, cacique da Terra Indígena Terra
Indígena Caramuru-Paraguassu, na Bahia.
“A PEC 215 é uma PEC que
apareceu há 16 anos na vida dos índios, e já foi engavetada diversas vezes. Os
fazendeiros da região contam com a aprovação da PEC para dar continuidade à
expulsão dos índios. Eles têm os seus matadores de aluguel para insultar e
assassinar o nosso povo”, relatou Nailton.
Proposta por Almir Sá no ano
de 2000, a PEC 215 foi aprovada em outubro de 2015 na Comissão Especial criada
para analisá-la na Câmara dos Deputados e, agora, estaria pronta para ir à
votação no plenário, onde os ruralistas - principais inimigos dos direitos dos
povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais - detêm a maior
bancada. Se já era inconstitucional, por ferir a separação entre os poderes da
República, a PEC ficou ainda mais agressiva no relatório do ruralista
Osmar Serraglio (PMDB-PR) que foi aprovado na comissão em 2015. Como foi
aprovada, a PEC inviabiliza novas demarcações e titulações de terras e cria
insegurança para as áreas já demarcadas e tituladas.
A liderança Pataxó Hã Hã Hãe
também citou os ataques que têm ocorrido contra os Guarani e Kaiowá no Mato
Grosso do Sul, “às claras do dia”, explicando que as iniciativas da bancada
ruralista no Congresso Nacional acabam respaldando e incitando à violência
contra os povos indígenas. “Hoje, todas as comunidades indígenas do Brasil
clamam pelo fim dessa situação sangrenta que está acontecendo contra nosso
povo”, concluiu Nailton.
Fátima Barros, da Articulação
Nacional de Quilombos, criticou a invisibilidade dos povos e comunidades
tradicionais e a instabilidade que foi recentemente instaurada em relação ao
processo de titulação dos territórios quilombolas – cuja competência, com o
afastamento de Dilma Rousseff e o início do governo interino, chegou a ser
transferida para o Ministério da Educação e Cultura, em seguida para Ministério
do Desenvolvimento Social e Agrário e finalmente para a Casa Civil.
“Nós somos cerca de cinco mil
territórios quilombolas e temos apenas 158 que são titulados. Só esse ano, na
mudança do governo interino, nós tivemos três mudanças em relação à titulação
das nossas terras. Isso cria uma barreira, inclusive, de diálogo entre as
comunidades e esse setor de demarcação territorial. Cada vez são colocadas mais
barreiras para que esses territórios não sejam devolvidos para nós”, afirmou
Fátima.
“Trazemos aqui a nossa
indignação, e não estou falando de uma indignação de hoje, mas de séculos de
exclusão. Não aceitamos essa invisibilidade em que colocam nossas comunidades.
O legislativo nos trata de forma diferente, quando dificulta nosso acesso a
esta casa. Reconhecemos a importância desse momento, de poder dialogar
minimamente. Mas, é mínimo, porque concretamente, não temos avançado. Nossos
direitos originários estão sendo negados, e isso nós vamos exigir sempre”,
concluiu a liderança quilombola.
Fonte: CIMI- Conselho Indigenista Missionário